top of page

A escola não tem mais espaço para o professor

Em meu mundo ideal as crianças estão sempre seguras, alimentadas e acima de tudo amadas. Neste mesmo mundo trabalhadores podem exercer sua profissão recebendo um bom salário. Escolas e Universidades elevam sempre o nível do conhecimento a fim de contribuir com o dia a dia das pessoas. Há sorrisos e fartura. E em uma lista imensa de coisas está a crença em uma educação emancipadora. Tudo isso e muito mais em meu mundo ideal. Ideal, neste caso, é o que vive na ideia, na imaginação. Ideal também pode ser tomado como o que almeja a perfeição ou aspira atender uma lista meticulosa de requisitos elevados... um mundo ideal ...


No mundo real pessoas são enganadas pela ganância de outras tantas. Crianças são violadas pelas pessoas que têm a responsabilidade de os proteger. Mulheres são agredidas, humilhadas, silenciadas. Os trabalhadores têm seus direitos usurpados. Há racismo, preconceito e muita violência. A pobreza avança e ocupa lugares em que nunca esteve antes. O conhecimento e a informação é afogada em um mar de fake news.


Em meu mundo íntimo e real há poesia. Meu olhar, já entristecido, varre meticulosamente os dias para que nada escape. Para que a beleza e a ternura sobrevivam à dor. Nesse espaço singular e

particularmente dócil o sorriso resiste e as palavras professadas são de amor. São poucos os que

acessam o lugar aconchegante de meu dia, mesmo havendo muito espaço. É um lugar reservado aos que ainda preservam o frescor alegre da comunhão.


Em meu mundo externo e real há fracasso. Minha poesia pouco sobrevive. O espaço que ocupo em meu ofício é diariamente atacado. Minha profissão, por algum motivo que me esforço em não conhecer, virou sinônimo de “inimigo perigoso”. São 18 anos dedicados à filosofia e 36 anos dedicados ao magistério e hoje o que recebo em sala de aula é uma feroz hostilidade. Perceba, já não estou falando de desrespeito vindo de uma má educação. Estou dizendo que não posso exercer meu ofício pelo que o MEC determina como conceitos importantes a serem trabalhados em sala de aula. Isso não existe mais. O próprio conteúdo e quem os ensina viraram “o inimigo”. É desolador!


Eu poderia falar sobre o quanto a estrutura está contaminada com objetivos desvirtuados e nocivos que centram em resultados quantitativos, mas estou indo além. Digo que ao validarmos mentiras para atingir o que desejamos abrimos espaço para ações violentas, violência pela violência. Hoje já não é mais possível avaliar um aluno após ter sido dado o conteúdo mínimo. Este aluno que não anota nada, que não estuda e que passa a manhã toda jogando no celular dentro da sala de aula, se sente ofendido quando lhe é solicitado um trabalho em classe. A escola virou um contentor de corpos. Corpos inúteis que passam a maior parte do tempo de seu dia sem fazer nada. Ou seriam corpos úteis ao sistema? Um sistema tirano que desrespeita aquela pessoa que está no colégio para aprender. Um sistema onde o tirano são os alunos menos interessados. O aluno violento e preconceituoso. Alunos que vêem diariamente o desrespeito e o reproduzem sem mesmo saber o que estão fazendo, o fazem apenas para assegurar seu intocável mundo inútil e que sem esforço lhe foi criado.


Quando uma professora, um professor ama seu ofício, respeita sua profissão, estuda para se aperfeiçoar para que quando estiver em sala de aula tenha algo bom para oferecer... este profissional não tem mais espaço. A escola não tem mais espaço para o professor! Mas se ele se dobrar, se compreender que seu papel ali não é mais ensinar, se ele abandonar definitivamente a Educação em seu conceito pleno, assim, só assim ele será feliz. Será feliz? Sendo uma mobília inútil e sem serventia alguma, alguém que endossa a ignorância, a vileza, a preguiça, a hostilidade, a força bruta... se renegar diariamente seu juramento de formatura, se esquecer conceitos edificantes, se matar teóricos fundamentais ... se desistir, só assim sobreviverá no território bélico que é a escola pública no Brasil.


Hoje a infinita tristeza que ocupa meu mundo, o mundo real, é que estamos abandonando o futuro por uma migalha do dia que vem da mão de alguém que cinicamente nos diz: não seja ninguém, me ajude a criar um mundo baseado no vício e não na virtude. E estamos, cada um com sua carga de responsabilidade e omissão, ajudando nesse processo.


A barbárie já se instalou, e agora?

276 visualizações4 comentários

Posts recentes

Ver tudo

4 Comments


marrizolete
Oct 27, 2022

Excelente texto, realístico, preciso, objetivo. Por isso mesmo, entristecedor. Aplausos para a autora!

Like
Flavia Quintanilha
Flavia Quintanilha
Apr 06, 2023
Replying to

Obrigada pela leitura!

Like

Ana Paula Dacota
Ana Paula Dacota
Oct 27, 2022

Não é só nas escolas públicas. Percebo o mesmo acontecendo em escolas particulares. Alunos desinteressados que praticam bullying diariamente com o professor, desde a educação básica até o ensino médio. O desrespeito reina. O professor virou aquele que gasta muitas vezes de 60% a 80% da aula cuidando do comportamental. É por isso que em pouco tempo haverá um apagão de professores, pois ninguém está aguentando mais, o amor à profissão encontra seus limites. Infelizmente!

Like
Flavia Quintanilha
Flavia Quintanilha
Apr 06, 2023
Replying to

Que triste!

Like
Post: Blog2_Post
bottom of page