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A face indesejada da liberdade

A ideia de liberdade é algo buscado por todas as pessoas. Mesmo que não se saiba defini-la, não há uma só pessoa que se manifeste no sentido de abrir mão dela. Em algum âmbito de sua vida, cada um de nós almeja ser livre, plenamente livre. Mas não livre demais. Não livre o bastante a ponto de abrir mão das convenções. Nunca livre demais a ponto de causar constrangimento ao outro. Livre? Ah, quem sabe não precisemos disso.


Por séculos filósofos tiveram este o problema insolúvel. Desde os gregos pensamos na liberdade em contraponto às leis, à moral, à ética. Conceituamos livre arbítrio, autonomia em diversas nuances, liberdade de ação, liberdade de pensamento, liberdade do corpo. Se fizermos a pergunta “o que é a liberdade?” perto de algum filósofo, certamente ele virá com outra pergunta: “sob o prisma de qual filósofo ou corrente filosófica?”. É mesmo difícil defini-la e nem quero aqui tecer longos parágrafos sobre este ou aquela pensadora. Me interessa o comum, o senso comum. O quanto somos livres?


Tenho me surpreendido ao ver que ser livre não é tão fácil assim. Tente ler um poema em voz alta em público, sem que seja “o momento oportuno para isto”. Um poema dito em voz alta na presença de pessoas, sejam elas leitoras de poesia ou não, causa um desconforto enorme. Vai lá, teste. Numa reunião de amigos, no almoço de domingo, em uma vernissage. O engraçado é que ninguém se envergonha ou causa constrangimento quando o espaço é tomado para falar de si próprio, de seus feitos, a história que se conta em público. Um ou outro te ouvirá, mas farão uma cara de “não estou entendendo onde isto quer chegar”, ou ainda poderá receber um olhar de “como você tem coragem?”


Fazer algo diferente do que se espera, do que a norma de conduta exige, pode macular sua imagem para sempre. Ler um poema assim de supetão é desafiar o convencional, vai lhe custar muito caro.

Por quê? Ignorar as convenções, aquilo que é costume nas relações sociais, é quem sabe o ato mais livre que alguém possa praticar. Estou falando dos pequenos atos, rir em público sem se policiar, dançar quando seu corpo pede, ler um poema há qualquer hora. Digo das coisinhas que nos reprimimos diariamente por medo de não sermos aceitos. Digo do olhar julgador que muitas vezes lançamos para alguém que faz algo que não esperamos ou não queremos.


Hoje percebo que cada pessoa julgada e condenada pelas palavras de seus conhecidos ou íntimos, das coisas que ouvi durante minha infância, são pessoas extraordinárias que nunca se curvaram às convenções limitantes. Mas também percebo que pagaram um preço alto. Da mesma forma que entendo que os acordos e as normas de conduta mudam, se adaptam, se reestruturam, não vale a pena sacrificar um poema por nenhuma regra de etiqueta.


A poesia não exige sua compreensão, ela espera sua entrega. Jamais ouça ou leia um poema com a cabeça, nenhuma se enquadrará em sua forma de ver ou pensar a vida. A grande beleza da poesia, é que ela pode se expressar de diversas maneiras e jamais impressionará duas pessoas da mesma forma. Acho que é isto que gostaria de dividir com você hoje, a liberdade humana é a própria vida e cada um a desfrutará diferentemente. Não a limite com regras banais.


Fundo do mar

No fundo do mar há brancos pavores,

Onde as plantas são animais

E os animais são flores.


Mundo silencioso que não atinge

A agitação das ondas.

Abrem-se rindo conchas redondas,

Baloiça o cavalo-marinho.

Um polvo avançaNo desalinho

Dos seus mil braços,

Uma flor dança,

Sem ruído vibram os espaços.


Sobre a areia o tempo poisa

Leve como um lenço.


Mas por mais bela que seja cada coisa

Tem um monstro em si suspenso.


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